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Perdoar é sinal de fraqueza?



Quando algo acontece na minha vida que me magoa, deixa uma marca em mim, fica uma ferida. Caso eu dê passos para o perdão, essa ferida vai cicatrizando e a dor da lembrança vai amenizar. Contudo, se eu me recusar a dar o perdão essa ferida vai permanecer uma chaga viva em mim e a cada lembrança a dor é dilacerante.


A questão do perdão é complexa devido à gravidade da situação em si, da idade em que ocorreu o trauma, mas depende muito mais da minha personalidade, da minha forma de encarar a vida, da aceitação de mim mesma e das minhas circunstâncias, da minha flexibilidade mental, do apoio familiar/social, da minha capacidade de resiliência, da minha intimidade com Deus. Isto é, a mesma situação é vivida e sentida de forma diferente em diversas pessoas. Tomemos um exemplo: uma pessoa que foi abusada pelo avô pode aceitar dar passos para o perdão e libertar-se do trauma que a mantinha cativa nela mesma, que a impedia de estar em convívios familiares, que a mantinha em agonia e medo constante do encontro que poderia acontecer (e não saber como reagir), trazendo-lhe a liberdade interior necessária para compreender que o trauma aconteceu, mas não diz quem ela é, não a limita enquanto pessoa, não a domina, pelo contrário, ela toma posse de si mesma, encara o seu avô (mesmo não tendo de se relacionar com ele, não tem que voltar a ter o mesmo relacionamento que tinha antes, já vimos que isso não invalida o perdão ( ver artigo: Como sei que já perdoei?) e liberta as amarras que tinha com ele; outra pessoa pode nunca querer dar esses passos e manter-se presa ao trauma. Qual a grande diferença? É que a primeira vai conseguir libertar-se da situação e dos sentimentos negativos e destrutivos que a amarravam a segunda não, vai permanecer acorrentada à pessoa/trauma.


Já vimos, nos artigos anteriores, que dar o perdão não é aceitar nem desculpar a situação em si e, muito menos, o agressor. Dar o perdão não invalida que o agressor cumpra pena pela sua transgressão e não diminui em nada a gravidade da situação. Se não consegue dar passos para começar a pensar dar o perdão pergunte-se a si mesma porque não o consegue; o que a prende; o que a mantém presa a essa memória/trauma/pessoa; o que de pior pode acontecer caso dê o perdão?


O facto de não dar o perdão acarreta um sentimento falso de controlo e proteção, pois mantém o ofensor como culpado, visto que todos sabem o que aconteceu, o que fulano fez e como ainda dói na vítima, e, neste sentido, não dá hipótese a que o ofensor chegue perto dela (ou do seu círculo social). Isto traz uma falsa sensação de controlo, pois, na verdade, está submissa e quanto mais a pessoa não quer dar o perdão, mais presa se sente ao trauma e ao ofensor. A única forma de se conseguir uma libertação do trauma é dar-se início a um caminho de perdão.


Outra questão que nos mantém presos na nossa dor é o desejo de vingança, ficamos agarrados ao rancor, à dor, na verdade presos ao momento, a relembrar a ressentir e a desejar vingança. Esta prisão, a da vingança, faz-nos sentir que só depois da pessoa sentir na pele o mal que nos fez é que vamos descansar. Só quando o outro passar por algo semelhante ou pior é que vamos sentir-nos em paz. O desejo de vingança mantém a nossa alma presa ao ódio, à raiva, ao orgulho e isso consome-nos por dentro, envelhece-nos, destrói a nossa alma. Sem nos apercebermos a situação dominou-nos e estamos, novamente, presos ao trauma. Por vezes o outro nem se lembra da situação ou nem fez com intenção de magoar e, portanto, vive tranquilo. Nós é que precisamos de libertar este sentimento venenoso em nós que nos impede de viver. O desejo de vingança não reconstrói a nossa vida, não apaga o trauma, não traz vida nova, não suaviza a dor… apenas traz mais dor e limita a nossa vida.


Outro aspeto que nos mantém presos ao trauma é o ressentimento. Por vezes dizemos, ou pensamos, que perdoamos, mas fica o ressentimento, isto é, não deixo de pensar no trauma e alimento em mim sentimentos negativos em relação à pessoa. Mesmo que em segredo desejo que algo de mal lhe aconteça, mantenho o sentimento de ódio, rancor, raiva, distancio-me da pessoa, não consigo falar com ela, olhar para ela, se sei que a pessoa está bem, feliz, fico furiosa e passo mal. Ressentir é não esquecer a situação e ficar a remoer anos, na verdade apodrecer o seu interior.


O perdão não é um caminho fácil não é uma emoção do momento, requer uma decisão de querer trilhar um caminho de libertação interior e de desapego às falsas seguranças (ressentimento, vingança…), por vezes só com ajuda externa e sempre só com o apoio de Deus e da Sua graça transcendente sobre nós.


Marta Faustino

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