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Foto do escritorMarta Faustino

Como sei que já perdoei?



O perdão é dos conceitos mais complexos e difíceis de explicar. Contudo, vale a pena refletir alguns pontos importantes, pois embora se saiba a sua importância, surgem muitas dúvidas na hora do perdão.

Perdoar tem implicações psicológicas, isto é, há alterações, processos internos que nos levam, ou não, a conseguir dar o perdão. Existem doenças, que chamamos psicossomáticas, para as quais é difícil de saber o que causa ou que os médicos não encontram justificação (dores, inexplicáveis, de cabeça, problemas gastrointestinais, cancros, diabetes, alergias, entre muitas outras), que têm origem no nosso emocional, nos nossos processos internos. Neste sentido, dar o perdão pode ser um grande desbloqueio de uma situação dessas.

Falando do conceito de perdão, podemos falar sobre três aspetos relacionados: memória da ofensa, reconciliação e justiça. Especificarei de seguida cada um.

Qual a relação entre perdão e memória? É-lhe familiar expressões como esta “Já perdoei, mas não me consigo esquecer”. As pessoas pensam, erradamente, que é necessário esquecer o acontecimento para que o perdão seja genuíno. “Perdoar significa recordar o passado para o assimilar e o tornar parte da história pessoal” (Giulanini, 2005), isto é, quando nos recordamos do episódio que nos causou tamanha dor, mas já sem sentir essa dor. Perdoar não significa, portanto, esquecer o que aconteceu, mas sim que essa memória já não me faz sentir dor, raiva ou rancor. O acontecimento ao ser recordado é que vai conduzir a cura da minha memória e, portanto, a perdão.

Quanto à reconciliação podemos recordar frases assim “Perdoei, mas nunca mais volto a ser o mesmo com ela”. A reconciliação seria uma excelente consequência do perdão, no entanto, nem sempre ela é possível. O perdão não implica que a pessoa que ofendeu esteja presente ou que faça parte da sua vida no momento do perdão. Isto justifica o perdão para falecidos ou para com pessoas com quem nunca conviveram ou não conheceram (casos de abusos/violências). No entanto, a reconciliação implica reciprocidade, isto é, a vitima pode perdoar e querer a reconciliação, mas o agressor não pretender essa reconciliação, logo a mesma não é possível. Mas não invalida o perdão.

De salientar que uma reconciliação também não significa uma relação idêntica à anterior, antes da ofensa. Isto é uma utopia, pois a relação irá ser novamente reconstruída.

Finalmente sobre o perdão e justiça, será que ao perdoar não posso deixar que seja feita justiça (por exemplo o agressor ir preso).

Relembremos palavras do Papa João Paulo II em 2002 “orienta-se antes para aquela plenitude de justiça conducente à tranquilidade na ordem, que é muito mais do que uma frágil e passageira cessação das hostilidades, trata-se, pelo contrário, da cura em profundidade das feridas que estão a sangrar nas almas. É em virtude de uma tal cura que tanto a justiça como o perdão são essenciais”. Portanto, a justiça deve ser feita independentemente do perdão dado. Foi o próprio Papa João Paulo II que foi à prisão perdoar o homem que o alvejou, mas não o retirou da prisão e isto não diminuiu o seu perdão.

Como diz Annalisa Giulianini, escritora do livro “Perdão: implicações psicológicas”, “o perdão corresponde a um ato de benevolência gratuita que, de modo algum, implica a renuncia à aplicação da justiça”.

Concluindo, perdoar é muito mais do que desculpar, é aceitar o acontecimento, relembra-lo para o curar, deixar que seja feita a justiça necessária e seguir a vida tentando, na medida do possível, uma reconciliação.


Marta Faustino

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