Entre o Eu e o Tu: o casal, dois mundos
- Marta Faustino

- 6 de nov.
- 3 min de leitura
Quando duas pessoas decidem partilhar a vida, não unem apenas corpos ou rotinas — unem histórias, feridas e sonhos. É aí que começa o verdadeiro desafio do amor: compreender, ajustar, acolher. O casamento não é uma fusão perfeita, mas uma convivência que se constrói dia após dia, entre a diferença e o desejo de permanecer.

Muitos pensam que o amor consiste em tornar-se “um só”. O amor verdadeiro não é uma fusão, é um diálogo. É o encontro entre um eu e um tu, dois seres livres que se olham, se escolhem e se reconhecem na diferença. O amor maduro não diz “seremos um”, mas “estarei contigo a ser eu.”
A vida a dois raramente é um conceito; é uma vivência que se transforma com o tempo. No início de uma relação, tudo parece simples. As diferenças são pequenas, quase encantadoras. Mas, com o passar do tempo, ganham expressão. É neste momento que o amor se torna uma escolha consciente. Amar é decidir permanecer, não porque o outro é perfeito, mas porque tem valor. E esse valor não depende das circunstâncias: nasce da dignidade única de cada pessoa.
Viktor Frankl dizia que o amor é o meio mais direto de compreender o ser mais profundo de outro ser humano. E é verdade: só o amor permite ver o invisível, o que o outro é para além dos seus erros e das suas máscaras. Amar não é fechar os olhos às imperfeições, mas abri-los ao sentido que o outro tem na nossa vida. Essa capacidade de ver o essencial é o que sustenta o amor quando o quotidiano começa a testar a paciência e a ternura.
A vida conjugal é feita de decisões, o amor mede-se menos pelos grandes gestos e mais pela fidelidade aos detalhes: no cuidado de ouvir, no esforço de compreender, no perdão que se renova todos os dias.
Esta aprendizagem do dia a dia é também o que sustenta o amor maduro que Enrique Rojas descreve. Ele lembra que amar é uma construção que combina inteligência, vontade e ternura. Para ele, o amor autêntico amadurece quando a paixão dá lugar à constância e a emoção transforma-se em entrega. É o momento em que o casal deixa de viver apenas o encantamento e passa a construir o projeto de “querer bem.”
Com o tempo, todo o amor é posto à prova. Chegam os dias de distância, de silêncio ou de dúvida. Mas é aí que o amor revela a sua maturidade: quando permanece, não por impulso ou emoção, mas por fidelidade interior e transforma o cansaço em presença, e o desencanto em recomeço.
É deste caminho de amadurecimento que nasce o verdadeiro encontro. Entre o eu e o tu há um espaço sagrado, onde aprendemos a estar juntos sem nos perder e a crescer lado a lado sem deixar de ser quem somos.
Quando um casal descobre que a sua união cresce no desejo de realizar algo com sentido, criar, servir, cuidar, transformar. O amor ganha raízes profundas e torna-se um projeto de vida, um compromisso com algo maior do que o próprio casal.
E talvez seja nesse gesto silencioso, repetido ao longo dos dias, que o amor revela a sua verdadeira força:“Escolho-te hoje. Escolho-te mesmo cansado, mesmo incerto, mesmo diferente. Escolho-nos, porque é juntos que a vida tem sentido.”
Brígida Ribeiro
Psicóloga clínica






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