Quando Deus criou o Homem e a Mulher, criou-os para a complementaridade, e, por isso, a masculinidade e feminilidade são dom um para o outro. Anderson e Garcia explicam o seguinte: “Na visão cristã, o homem e a mulher são ambos uma forma completa de ser humano, embora vivam a sua humanidade de forma diferente. A diferença torna-os complementares, não porque lhes falte uma parte, mas porque cada um é chamado pelo outro a sair de si mesmo e a crescer além das suas próprias fronteiras. Uma imagem do mundo da música pode ajudar-nos a entender essa complementaridade. Imaginemos que um diretor de orquestra chame dois violinistas de talento para executar um dueto. Ambos deverão treinar para unir seus instrumentos num todo harmônico, e cada um precisará do outro para exprimir o significado do trecho musical. Esta exigência, entretanto, não significa que não falte maestria algum dos dois. Não se trata de dois “meio músicos” que se usam mutuamente para cobrir seus defeitos. São, na realidade, artistas consumados, cuja arte consiste em mostrar a própria habilidade no contexto do dueto, em que cada um deles tem um papel inseparável do outro. O exemplo acrescenta ainda um dado essencial: ambos os músicos triunfarão apenas se forem capazes de inspirar-se na beleza transcendente da obra que tocam em uníssono.”[1]
Em Génesis 2, 18, diz o seguinte “Não é conveniente que o Homem esteja só; vou fazer-lhe um auxiliar semelhante”. No princípio, Deus não distingue Homem e Mulher, é o Homem como pessoa que necessita de um auxiliar semelhante, para acabar com a sua solidão original. Quando Adão dá nome aos animais, ele descobre o seu nome, a sua identidade, mas não é igual aos animais, pois apesar de ser corpóreo (ter um corpo) como eles, ele tem liberdade. Isto significa que não depende, somente, do instinto animal, ele pode decidir o que fazer com o seu corpo e sabe dominar as suas paixões. Ele tem vida interior, os animais não. Essa liberdade deve-se ao seu chamado a amar, pois sem liberdade o amor é impossível. Adão percebe que o amor é a sua origem, a sua vocação e o seu destino. Contudo, está só e não tem com quem partilhar esse amor. Por isso, “não é bom que o Homem esteja só.” Neste sentido, na solidão, Adão descobriu a sua dupla vocação: amar a Deus e amar o próximo, bem como a liberdade de o fazer ou não, pois Deus não força.
Entretanto, o Homem sentia-se só, sem companhia igual a ele, sem nenhum semelhante, ninguém para amar. Deus afirma que sozinho o Homem não realiza, completamente, a sua essência, apenas a realiza, totalmente, existindo “com alguém” e, ainda, mais profunda e completamente, “para alguém”.
“Esta sim, é ossos dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher.” (Gn2,23). Adão entende quem ele é e qual o seu chamado, a sua vocação ao amor, que não é um fim, mas o momento em que se descobre um novo caminho. Esta situação, despertou, em adão, maravilha e gratidão, daí a exaltação perante um semelhante a si, com um corpo que exprime uma pessoa. Adão reconhece que a amada é um dom, faz parte da essência de todo o amor verdadeiro. É como dizer “é bom que existas e que existamos juntos!”. Eles reconhecem que são duas formas de ser corpo que se complementam reciprocamente. O homem só se reconhece homem/varão, quando conhece a mulher, só se descobre como masculino perante o feminino. Até aqui podemos perceber, como a história da criação se atualiza, diariamente, e, como ela é libertadora.
O homem só se percebe homem, perante a mulher. O homem sozinho não consegue viver a plenitude da sua vida, ele tem que ter alguém para amar. Deus sonhou o homem para ser chefe de família, guia, protetor e amparo da mulher, o seu consolo, o seu coração. O homem deixa o seu pai e mãe, para construir a sua família, junto com a mulher. Cada um tem um papel a desempenhar, muito específico e, quando os papeis se confundem, tudo desmorona. “Por esse motivo, o homem deixará pai e mãe, para se unir à sua mulher, e serão os dois uma só carne” (Gn2,24). Não é só união dos corpos (como nos animais), mas é uma expressão “sacramental”, que corresponde à comunhão de pessoas.
O outro é um dom para mim. Há uma doação livre e total ao outro, pois é o domínio de mim mesmo (autodomínio), que é indispensável, para que eu me torne dom, para que consiga encontrar-me plenamente num dom sincero de mim. Desta forma, um homem que busca Deus, que tem o domínio das suas paixões, é um homem que sabe, e que quer, viver a castidade (nem consegue perceber o sentido da vida de outra forma) e esta não é abster de relações sexuais. A castidade é a chave da vivência humana, do amor, pois é a energia espiritual que sabe defender o amor dos perigos do egoísmo e da agressividade, sabe promovê-lo para a sua mais plena realização. A castidade é a vivência do amor, a luta para viver o amor de forma pura e não deformada pelo pecado original, isto é, não viver a busca do prazer desenfreado que, no final, é vazio interior e existencial. A busca do prazer em si mesmo, sem a castidade, é uma escalada, pois para obter prazer vou precisar sempre de mais e nunca me sinto satisfeito, e isso não é amor verdadeiro. Portanto, a castidade tem de ser vivida em qualquer estado de vida, não só no matrimónio, para que eu não transforme o outro num objeto de prazer e lhe retire a dignidade, desta forma eu deixo de ser um dom para o outro.
Concluindo, Deus criou o homem para amar, para ser dom sincero de si para a mulher e revestiu-o de todo o necessário, para que se cumpra este desejo. Entretanto, o homem precisa procurar Deus, seu Criador, e corresponder a este chamado, trilhando um caminho de cura interior, das feridas e traumas da sua vida, curar a sua afetividade e sexualidade, por forma a ordenar os seus desejos, ter domínio das suas paixões, saiba viver a castidade e, desta forma, consiga amar de forma autêntica a mulher.
Marta Faustino
[1] Anderson, C. & García, J (2014). Chamados ao amor: a teologia do corpo segundo João Paulo II. Cachoeira Paulista, Brasil: Editora Canção Nova.
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