“Perdoei, mas não esqueço!”
- Marta Faustino
- 10 de mar.
- 3 min de leitura
Perdoar é dos movimentos mais difíceis que precisamos fazer na vida. Dependendo das situações pode ser algo mesmo impossível, onde sentimos uma resistência, interior, enorme ou uma dor tão dilacerante que não conseguimos nem pensar sobre esse assunto.

A verdade é que perdoar é, igualmente, dos movimentos mais belos e libertadores que podemos fazer. Mas para isso precisamos compreender alguns pontos.
Quando alguém nos fere, nos trai, decepciona, fica gravado na nossa memória essa situação. Algumas pessoas até referem “tenho tudo gravado como num filme”, há situações que aconteceram há 20, 30, 40 ou 50 anos e a pessoa ainda consegue dizer “lembro-me tão bem! Era quinta-feira, pelas 16h, quando ele veio ter comigo e me disse com estas palavras exatas…!” porque o que nos magoa é como uma ferida no corpo, a marca fica lá. E quantas vezes só tapamos, e muito mal, essa ferida e deixamos que ela vá corroendo o interior e ganhando pus e infetando tudo ao redor! Porque não nos decidimos perdoar. É que, o contrário de perdoar, é alimentar o rancor, o ódio, o ressentimento e isso só faz mal a mim! O outro que me ofendeu, dependendo da situação (mais leve ou mais grave) pode até já nem se recordar ou não ter pensado que podia ter magoado tanto assim e, dessa forma, o único prejudicado sou só eu.
Segundo Enright, perdoar significa renunciar ao legitimo direito de sentir cólera e ressentimento. Portanto, é um direito sentir raiva pelo outro e pelo que me aconteceu! Sim! Mas permitir que ela me domine e infeste o meu interior?! O outro magoou-me, não posso controlar o que me fez, mas o perdão é uma libertação interior, que acontece em mim! O perdão e, consequentemente, a libertação, já é uma decisão que me cabe a mim!
“Na verdade o maior dano causado pela ofensa – muitas vezes maior que a própria ofensa – é ela destruir a minha liberdade de ser eu próprio, na medida em que me encontro involuntariamente dominado pela ira e pelo ressentimento interior, uma espécie de veneno espiritual que permeia todo o meu ser e que está destinado a ter sobre a minha vida uma influência inconsciente, embora muito forte (…) odeio o agressor por aquilo que me fez, mas é justamente neste ódio por outrem que eu o autorizo a tornar-se dono e senhor da minha vida” (Elizondo, 1986).
Então dar o perdão é um meio para alcançar liberdade interior, é uma forma de me libertar da situação que me feriu. Claro, esse processo custa, precisamos destapar a ferida ou abrir a cicatriz infetada e isso é, extremamente, doloroso, temos de escavar, limpar, desinfetar para que depois sare bem e cicatrize de forma natural e saudável. A recordação da situação é sempre dolorosa, mas libertadora.
Mesmo depois deste processo do perdão eu posso nunca esquecer a situação e essa não é a medida pela qual sei se perdoei ou não.
Da mesma forma, se o que a pessoa me fez necessita de justiça, o perdão não a iliba do seu processo e, isso não significa que não perdoei, são situações distintas. Perdoar não é esquecer, perdoar não é ser “boazinha” ou “tontinho”, perdoar não é retirar processos da justiça e perdoar, também, não é ter de conviver com a pessoa que me magoou ou voltar a confiar no mesmo nível, nem retomar a mesma intimidade.
Posso continuar a relação que tinha com a pessoa que me magoou, mas teremos sempre de recomeçar, a confiança não vai ser a mesma, terá de ser reconquistada, mas posso não querer estar mais com a pessoa e isso não significa que não a perdoei. Vai depender muito da gravidade da situação em causa.
Perdoar é conseguir seguir em frente com a minha vida, sem sombras do passado, sem medos, sem rancor, sem dor. É conseguir recordar a situação sem dor no coração.
Marta Faustino
Psicóloga Clínica
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