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Identidade: a base é a família



A construção da identidade acontece ao longo da vida, mas os primeiros anos de vida são fulcrais para definir as bases deste construto, pois é onde acontecem as primeiras experiências de amor, de segurança e de relações sociais. Estas experiências vão delimitar um trajeto para a construção da identidade se ir solidificando. A família, sobretudo os pais, são os primeiros modelos de identificação. Esta construção recebe a influência de fatores intrapessoais (as capacidades inatas da pessoa e as características adquiridas da personalidade), de fatores interpessoais (identificações com outras pessoas) e de fatores culturais (valores sociais a que uma pessoa está exposta, tanto globais quanto comunitários).


Este sentimento de ter uma identidade pessoal dá-se de duas formas: a primeira é perceber-se como sendo o mesmo e contínuo no tempo e no espaço; e a segunda é perceber que os outros reconhecem essa semelhança e continuidade[1]”. Desta forma, quanto mais desenvolvido o sentimento de identidade, mais o indivíduo valoriza o modo em que é semelhante ou distinto dos demais e mais nitidamente reconhece suas limitações e aptidões. Quanto menos desenvolvida está a identidade, mais o indivíduo carece do suporte de opiniões externas, para avaliar-se e compreende menos as pessoas como distintas.


Alguns autores entendem que a identidade se desenvolve ao longo da vida, mas é na adolescência que ocorrem as transformações mais expressivas. A preocupação com a identidade torna-se mais consciente e intensa por vários fatores, tais como a maturação biológica, um maior desenvolvimento cognitivo e as exigências sociais para comportamentos mais responsáveis. Portanto, é a primeira etapa da vida onde se encontram reunidos todos os ingredientes para a construção de uma identidade pessoal.


Segundo Erikson[2] existem oito estádios do desenvolvimento da identidade que iremos desenvolver. Dada a extensão deste artigo, ele será divido em duas partes. Veremos agora os 4 primeiros estádios e na próxima semana os restantes.


I Estádio (do nascimento aos 18 meses) – Confiança vs Desconfiança: o recém-nascido depende, totalmente, do seu cuidador. Se receber amor do seu meio envolvente, for encorajado e estimulado para as suas descobertas pessoais, o bebé desenvolverá confiança nele mesmo e nos outros e irá despertar a virtude da esperança. Caso contrário aprenderá a desconfiar de si e dos que o rodeiam, este sentimento de desconfiança, em demasia, tornará o bebé numa criança tímida, insegura quanto às suas capacidades e com dificuldades em enfrentar os obstáculos do meio.


II Estádio (dos 18 meses aos 3 anos) – Autonomia vs Dúvida e vergonha: nesta fase a criança começa a questionar-se “Será que consigo fazer as coisas por mim mesmo ou preciso depender dos outros?” É a fase onde a criança aprende a lidar com a dúvida e a vergonha para conquistar a, tão desejada, autonomia, isto é, adquirir algum controlo sobre as funções orgânicas, a coordenação motora e a capacidade de manipulação de objetos. A criança, que no estádio anterior, conseguiu desenvolver um sentimento de confiança em si mesma e nas pessoas que a rodeiam, terá mais facilidade em conquistar a autonomia. As “birras”, os constantes “porquês”, a vontade de querer fazer as coisas sozinho são manifestações típicas de autonomia. O modo como os pais reagem é muito importante, para que a criança se sinta compreendida e amparada ou envergonhada e fracassada. Os pais necessitam ter o equilíbrio entre as punições, críticas e repreensões e o encorajamento da exploração do meio por si mesma, se esta última for bem-sucedida a criança aprende a virtude da força de vontade.


III Estádio (dos 3 aos 6 anos) – Iniciativa vs Culpa: esta é a idade do jogo simbólico e da brincadeira e aqui a grande questão que a criança enfrenta é “Serei bom ou mau?”. Na fase pré-escolar a grande preocupação da criança tem que ver com a moralidade ou aceitação dos seus comportamentos. Nesta fase assiste-se a um desenvolvimento significativo das habilidades motoras, da linguagem e do pensamento, tal como da imaginação e da curiosidade, aqui de destacar a curiosidade com o corpo e as diferenças entre os sexos. Novamente, a forma como os pais reagem é que vai impulsionar a autoconfiança e iniciativa da criança, ou não. Reações extremamente negativas podem provocar inibição excessiva, sentimentos de culpa e ansiedade, pois a criança sentirá que a sua curiosidade não é bem-vinda e terá pouca iniciativa, no que respeita à exploração do meio. A resolução bem-sucedida desta crise psicossocial reforça a capacidade de iniciativa, a vivacidade e o gosto pela descoberta. A virtude desenvolvida é a tenacidade.


IV Estádio (dos 6 aos 12 anos) – Competência vs Inferioridade: a grande questão da idade escolar é “Serei competente ou incompetente?” Com a escolaridade alarga-se o campo da interação social, novos desafios surgem e intensifica-se a aprendizagem social. Da mesma forma, são exigidas novas competências à criança (aprender a ler, escrever) e, portanto, será apreciada, não tanto pelo que é, mas pelo que faz, pelo grau de competência no desempenho das tarefas. O fracasso persistente no desenvolvimento de competências, ou a falta de apoio, de incentivo e de atenção por parte dos adultos que a rodeiam, podem produzir sentimentos de inferioridade e descrença, quanto à capacidade para executar tarefas de forma produtiva. A criança tenderá a diminuir o esforço e entusiasmo nos seus trabalhos porque acredita na inevitabilidade do seu fracasso. O sucesso eleva a autoestima, a autoconfiança, o prazer e o gosto nas atividades. Nesta fase, as crianças começam a imaginar o que poderão ser no futuro, que papéis gostariam de desempenhar (médicos, bombeiros). A virtude resultante desta fase é a competência, a habilidade intelectual e a perícia no cumprimento das tarefas valorizadas em determinada sociedade.


Observamos, desde já, como o papel dos pais/cuidadores é crucial na forma como a criança vai construindo a imagem que tem de si, do meio e das suas capacidades. Perante esta leitura reveja a sua história e aproveite para escrever alguns pontos que necessitam de cura: quando bebé, sentiu-se amado, incentivado a partir à descoberta? Ou viveu sempre com medos e inseguranças, “agarrado às saias da mãe?” Sentiu-se compreendido nas suas emoções, reações, ou foi muito punido e oprimido? Reconhecia em si capacidades para ser autónomo, fazer as mesmas coisas que os outros? Ou sentia-se muito envergonhado e retraído, esperando que fizessem por si? E na fase escolar, sentia-se confiante em si e nas suas capacidades, empenhando-se nas tarefas escolares? Ou desistia antes de começar, pois já antecipava o seu fracasso?

E, agora, que é pai/mãe, como lida com as questões dos seus filhos? O que pode mudar?

Veremos, na próxima semana, os restantes estádios.

[1] Shoen-Ferreira et al. (2003). A construção da identidade em adolescentes: um estudo exploratório. Estudos de Psicologia 2003, 8(1), 107-115. [2] Erikson, E. (1976). Infância e Sociedade, (tradução brasileira). Rio de Janeiro: Zahar Editores.

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