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Flexibilidade: quando a humildade enobrece a mulher

As marcas da nossa educação enraízam-se em nós, de tal forma, que se tornam parte de nós. O que nos marcou negativamente e nos fez agir de determinada forma, moldou-nos ao ponto de se fundir no nosso eu, na nossa personalidade e não nos deixa ver que é uma forma menos flexível de ser, agir.


Uma mulher marcada, sofrida, ao longo da sua vida, tende a proteger-se e, por vezes, a forma de se proteger é não se confrontar com as suas dificuldades e controlar o seu comportamento e o do outro, bem como todas as circunstâncias ao seu redor.



A Margarida, nome fictício, abre a porta ao filho adolescente, Artur, que chega da escola e manda-o lavar as mãos. Quando ele volta, pergunta se lavou com sabão e pede para cheirar as mãos dele. Só assim fica descansada que ele obedeceu. Vai dar banho à pequena e, entretanto, o esposo chega a casa. Ela pergunta se ele pagou a conta da água, ao que ele responde que sim.


A Margarida manda o filho fazer os trabalhos, enquanto ela faz o jantar, e diz ao marido para apanhar a roupa, dobrar, “Mas como te ensinei, não me engelhes a roupa! Depois vem pôr a mesa.” Posteriormente, chama todos para jantar e vai dizendo o que está em falta na casa, o que precisa de arranjo (lamuria o chão da cozinha que se estragou e precisa ser reparado), compras a serem feitas e lamenta-se da falta de dinheiro, enquanto ajuda a pequena a comer. Entre “despacha-te!”, “Ai! Que molengona!” vira-se para o filho “Já estudaste para o teste? Atreve-te a tirar má nota!”


Entretanto, o marido ficou a pensar na questão do arranjo da cozinha e, como vai ter uns dias de férias, pode, ele mesmo, meter mãos à obra e fazer esse arranjo. Recorda-se que tem um amigo, o Miguel, que trabalha na área e pode pedir orientações, assim poupa dinheiro e deixa a esposa orgulhosa, ele mesmo vai-se sentir bem por conseguir concretizar esse projeto e dizer aos filhos que foi ele que fez, que orgulho. Então, toma a palavra e diz que está a pensar ser ele a concertar o chão da cozinha, para pouparem dinheiro. A Margarida dispara “Até parece que sabes fazer isso!”, o marido sente-se ofendido, mas ainda diz “Amor, não sei, nem nunca fiz, mas vou tentar, vou pedir ajuda ao Miguel. Confia em mim!” a Margarida farta de tudo “Confiar em ti? Como quando disseste que tratavas do arranjo da máquina da roupa e tivemos de comprar outra? Ah! Não, espera! Queres que confie em ti como quando disseste que pintavas o escritório e até hoje tem manchas! Ou quando dizes que passas a ferro e eu tenho de passar tudo novamente!” O Artur vira-se “Chega! Fogo! Sempre a discutir. Mãe precisas confiar no pai. Ele não faz tudo mal!


O marido aguenta-se o jantar todo, arruma a cozinha e depois de deitar os filhos chama a esposa e desabafa o quanto inútil se sente e, como, assim, não estão bem. Ela primeiro não aceita esta reação, mas aos poucos percebe que é mesmo a sério e aceita a proposta dele (já há muito pensada e partilhada) de fazerem terapia de casal ou ela ter consultas de psicologia.


Ela pensa alguns dias naquela conversa, reza e percebe que há algo nela que não está bem e aceita iniciar o processo de terapia individual.


Num primeiro momento, nas consultas ela não quer reconhecer as suas dificuldades, não sai da sua rigidez de ver a vida e tudo à sua volta. Chega a rejeitar as consultas e pedir um tempo.


No entanto, retorna e, no meio de muito choro, sentimento de impotência e alguma resistência, vai-se deixando ser conduzida e, aos poucos, percebe-se um avanço na flexibilidade do pensar e do agir. O esposo vai notando a mudança na forma de resolver as situações do dia-a-dia, percebe que começa a ter alguma espontaneidade, a colocar-se em causa e a ponderar o seu ponto de vista, reconhecendo que também pode errar e não pode controlar tudo.


A Margarida foi trabalhando nela a virtude da flexibilidade e foi reconhecendo que mesmo sendo “perita” em determinadas situações, os outros têm sempre algum contributo a dar e nem sempre precisa ser ela a fazer e a ter o controlo de tudo. Foi reconhecendo que a certeza que tem das coisas, afinal pode não ser assim tão certa.


A virtude da flexibilidade “adapta o seu comportamento com agilidade às circunstâncias de cada pessoa ou situação, sem abandonar, por isso, critérios de atuação pessoal” (retirado do livro “A educação das virtudes humana e a sua avaliação de David Isaacs). Portanto a pessoa consegue colocar-se no lugar do outro, compreender o seu ponto de vista, o que sente e tenta adaptar-se ao outro, à realidade, mas nunca deixando de ser quem é.


Marta Faustino

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